E aí Doutor? Trouxe Proposta de Acordo?
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Na semana anterior, depois de algumas horas de espera para uma audiência que deveria ser una, fui informada que o juiz não poderia comparecer e só haveria a conciliação. Até aí tudo bem, imprevistos acontecem! No entanto, enquanto as partes ainda estavam se sentando (e eu estava procurando uma cadeira) a analista judiciária solta a seguinte pergunta: E AI DOUTORA? TEM ACORDO? Fui tomada de espanto, a conciliação que atualmente está sendo vista como o caminho para desafogar o judiciário, se resumiu a esta frase.
No final, após um “não” emitido pelo requerido, foi redigido um termo de audiência em que se atestava inexistência de acordo, e que como não haviam provas a produzir a audiência havia terminado. Daí me surgiu a seguinte questão: A conciliação está seguindo a lei ou está sendo usada pelo judiciário como simples desencargo de consciência?
Segundo Adriana Goulart de Sena (2001, 115-139) a conciliação deve ser entendida como algo além de um simples acordo, Senão vejamos:
Compreende-se a conciliação em um conceito muito mais amplo do que o “acordo” formalizado. A conciliação significa entendimento, recomposição de relações desarmônicas, empoderamento, capacitação, desarme de espírito, ajustamento de interesses.
Aqui cabe relatar, que deve haver uma capacitação quanto aos servidores do Poder Judiciário, principalmente nessa etapa, que é uma das mais importantes, já que nesta o conflito pode ser dirimido e até mesmo se restabelecerem as relações que haviam sido rompidas, uma vez que a falha de comunicação é um dos maiores ocasionadores de embates processuais, dessa forma, o conciliador deve atuar como um terceiro que facilita o canal comunicativo.
Logo, a conciliação não deve ser resumida em uma pergunta. Diferente do que ocorre na sentença em que há um juiz para decidir o caso, na conciliação as partes passam a ser as verdadeiras protagonistas (o que deveria ocorrer em todos os casos), já que cabe somente a elas firmarem um acordo que venha a suprir seus anseios, por isso é comum dizer que na conciliação não há parte perdedora, uma vez que todas ganham.
Pois bem, a principal questão da conciliação é o reestabelecimento da comunicação entre as partes, por isso a arma do conciliador é o diálogo. Como não ocorre o diálogo, em quase 99% dos casos, então consequentemente não haverá conciliação, na verdade será apenas mais uma etapa com um modelo redigido do tipo “Não Houve Acordo”.
Logo, os princípios da urbanidade, paciência e atenção devem sempre fazer parte da rotina do conciliador, já que este deve se utilizar de uma linguagem clara e objetiva plenamente capaz de ser entendida por todos.
De outro lado, a seção V do Código de Processo Civil refere-se aos Conciliadores e Mediadores, logo no primeiro artigo que segue (art. 165) já há a menção que os Tribunais criarão Centros de Solução de Conflitos visando auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
Quanto aos princípios e técnicas que devem ser seguidos pela conciliação o artigo 166 é claro, in verbis:
Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
§ 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.
§ 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.
§ 3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição.
§ 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais.
Portanto, a conciliação não deve ser tratada como um requisito formal que permite o regular andamento do processo, mas sim como uma fase processual de extrema importância, a qual não pode ser negligenciada.
Sendo assim, é preciso que a mentalidade instaurada de que realizar uma conciliação se resume a uma pergunta de “existe acordo?”, mude, sob pena de tornar o instituto da conciliação em letra morta de lei.
Dessa forma, para que ocorra essa mudança, impende que o conciliador, antes de tudo entenda o “espírito da lei”, para que a partir daí haja sua aplicação.
Por Elenn Felix, advogada formada pela Universidade Federal do Maranhão, apaixonada pelo Direito. Acredita na justiça como meio da paz social, mas também nos métodos conciliativos como instrumentos que facilitam na duração do processo. Escritório Bezerra & Lago Advogados
Fonte: Folha Nobre, 23 de maio de 2016