O Senado Federal criou, recentemente, uma comissão incumbida de elaborar, em 180 dias, um anteprojeto da Lei de Arbitragem e Mediação, constituída por seis membros, sob a presidência do ministro Luis Felipe Salomão e composta pelos juristas Caio Rocha, José Rogério Cruz e Tucci, Marcelo Nobre, Francisco Mussnich e Tatiana Lacerda Prazeres. Deverão realizar audiências públicas com amplo debate da matéria. Justifica a iniciativa pelo decurso de mais de 15 anos, a partir da promulgação da Lei nº. 9307, e pela ausência completa de legislação no tocante à mediação.
O requerimento de criação da comissão salienta que “a arbitragem deixou de ser vista com reserva pelo jurisdicionado, passando até a ser o sistema de resolução de disputas preferencialmente adotado em determinados seguimentos sociais”. Enfatiza, ainda, o amadurecimento da arbitragem e a importância crescente do Brasil no cenário do comércio internacional, lembrando que a aprovação do projeto do Código de Processo Civil (CPC) também justifica uma adaptação do instituto à nova realidade legislativa. Se a decisão do Senado é importante e oportuna, é preciso esclarecer que já temos uma excelente Lei da Arbitragem que, ainda recentemente, foi considerada, pelo eminente jurista Albert Van Deb Berg, como uma das melhores do mundo.
Efetivamente, o anteprojeto de lei elaborado pelos professores Carlos Alberto Carmona, Selma Lemes e Pedro Batista Martins, que se transformou na Lei nº. 9307, por iniciativa e sob o impulso do senador Marco Maciel, comprovou a sua eficiência, sendo um dos três pilares da verdadeira revolução jurídica e cultural, que se realizou em nosso país, em relação à arbitragem. Os dois outros pilares foram a jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a ratificação, pelo Brasil, da Convenção de Nova Iorque.
É, todavia, verdade que, nos últimos 15 anos, o Brasil, como o mundo, mudou muito e passamos a ter uma posição importante na arbitragem, tanto nacional quanto internacional. Essa transformação se evidencia tanto pela multiplicação e pelo aprimoramento qualitativo das câmaras de arbitragem nacionais como pelo ranking que alcançamos no número de arbitragens internacionais, tendo passado de uma presença que, até o fim do século passado, era praticamente irrelevante, para um posicionamento entre o quarto e o sétimo lugar no cenário mundial. Coube a jurisprudência construtiva dos tribunais, liderados pelo STJ, explicitar alguns pontos do texto legislativo e resolver algumas interpretações divergentes da lei, o que fez sempre em favor da arbitragem. Por outro lado, o projeto de novo Código de Processo Civil trata construtivamente de algumas situações que também repercutem na arbitragem. É preciso esclarecer que já temos uma excelente Lei de Arbitragem.
As questões polêmicas que ainda existem na matéria são poucas, mas algumas delas são muito importantes justificando uma complementação ou um esclarecimento pontual da lei, que caberá à comissão introduzir no seu projeto. Há soluções que devem ser explicitadas, dúvidas que devem ser dirimidas, uma contribuição da jurisprudência que deve ser aproveitada, enfim, uma atualização que é necessária e oportuna decorrente da utilização da internet e dos contratos eletrônicos, conforme salientado pelo presidente da comissão. Entre vários outros, um exemplo de matéria que justificaria uma disposição legislativa, a fim de confirmar a tendência dos tribunais, é o modo de solução dos eventuais, embora pouco freqüentes, conflitos entre o Poder Judiciário e os tribunais arbitrais. É matéria que tem ensejado a paralisação dos processos por longos anos, até que se decida se é competente o Poder Judiciário ou o tribunal arbitral, ameaçando abalar, pelo decurso do tempo, em alguns casos, o prestígio e a credibilidade, no exterior, da arbitragem realizada no Brasil. Uma solução jurisprudencial, baseada na Constituição, tem sido dada em alguns votos recentíssimos dos ministros Luis Felipe Salomão e Nancy Andrighi, no Conflito de Competência nº. 111.230, cujo julgamento ainda não terminou.
Trata-se de reconhecer a competência originária do STJ, para decidir o conflito de competência, nesses casos, do mesmo modo que lhe cabe julgar os conflitos entre a Justiça Federal e a Estadual. Não há mais dúvida, diante do texto expresso da lei, que o árbitro deve ser equiparado ao juiz, de modo que, no caso do conflito de competência acima referido, uma decisão rápida e imediata do STJ pode evitar a demora da ação ordinária. É uma das inovações que está sendo discutida, em diversos processos em curso no STJ, e que merecia ter uma solução legislativa confirmando a tendência jurisprudencial. Com a velocidade das modificações econômicas e sociais que caracteriza o século XXI, algumas leis muito bem elaboradas merecem ser revistas. Foi o caso da Lei das Sociedades Anônimas e hoje é o caso da arbitragem, desde que mantida a sua estrutura básica e limitada as complementações ao estrito necessário, ou seja, à incorporação da recente jurisprudência do STJ e a sua compatibilização com o projeto do CPC e com a adoção das novas tecnologias.
Arnoldo Wald (advogado, professor catedrático do direito civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ)